NOVA BATALHA
Peter
A NOVA BATALHA DO BUÇACO
O DN do passado dia 4 alertou-me para um ignominioso facto: a mata do Buçaco encontra-se em estado de profunda degradação. Soares Rebelo, o autor da peça, cita o presidente da Câmara Municipal da Mealhada a pintar o futuro florestal do Buçaco como “negro, muito negro” e a atribuir a responsabilidade por essa calamidade ao Ministério da Agricultura, ou melhor, aos governantes que tutelaram esta pasta nos últimos vinte anos e que terão negligenciado o bom estado de conservação da mata. Como português, habituado que estou às más notícias que abrem os telejornais e fazem as manchetes da imprensa, pensava que nada me poderia afectar muito mais, que o sinistro 2002 me teria vacinado para os tempos mais próximos. Puro engano. Aí estão o novo ano e o renovado DN para me desenganarem.
Para melhor se perceber a razão do meu desgosto, convém informar que conheço aquela região como as minhas mãos. Ainda mal sabia andar, já os meus pais me levavam para as termas do Luso,
Recordo a oliveira que, segundo a lenda, serviu para o general Wellington prender o cavalo que montou durante a sangrenta batalha do Buçaco. Foi graças à brigada comandada pelo coronel Champalimaud, a um batalhão português, do 19 de Infantaria, a uma brigada alemã e aos nossos aliados ingleses, sob o comando do general Wellington, que lográmos derrotar as colunas dos exércitos comandados pelo marechal Massena, constituindo assim o Buçaco um marco decisivo na expulsão dos maiores generais e marechais do império, destroçados por este desaire militar que despedaçou o prestígio francês alicerçado na ambição desmedida de Napoleão. O trágico balanço dos invasores saldou-se na morte de 5000 soldados e de 250 oficiais do exército mais experiente e temível do mundo. Recordo ainda o Museu da Guerra Peninsular, com os vários fardamentos, espadas, canhões e outras peças da batalha, o Palace Hotel (onde aprendi a gostar de vinho, aliás, onde era impossível não aprender a gostar de vinho - que o lendário Alexandre Almeida armazenava ciosamente nas suas caves), as ermidas e o velho convento, a lembrar os frades Carmelitas Descalços que se comprometeram a plantar, todos os anos, após se instalarem no Buçaco, uma grande diversidade de árvores, e que impuseram uma norma inclemente - a excomunhão - para quem cometesse a heresia de abater uma que fosse, sem o consentimento de dois terços da comunidade. Resumindo: além de se proteger a mata original, foi possível transmudá-la num paraíso de verdura.
Inesquecíveis eram os passeios/corridas de burro (com algumas quedas à mistura) à Cruz Alta, no cimo da qual me sentia no topo do mundo, as românticas caminhadas no Vale dos Fetos, no meio de uma vegetação absolutamente esmagadora, de um verde incomparável, os 144 degraus, encrostados no meio da floresta, que conduzem à ‘Fonte Fria’, com água vinda das montanhas, duma pureza do princípio do mundo, as matinés dançantes no átrio do Grande Hotel com números de palhaços e ilusionistas que divertiam e fascinavam os mais pequenos, as pranchas da piscina donde executávamos saltos mais ou menos artísticos (a mais alta a que me abalancei foi a dos
Pelo alerta do DN, ficámos a saber que temos de travar nova batalha, agora contra os invasores do nosso património, os mesmos que trocaram a paisagem portuguesa pelo betão, a nossa música e a nossa poesia pelo “Big Brother”, o “Masterplan” ou as casas pimbas dos reis da Pimbalândia, os mesmos que esbanjam fortunas com a construção de inúteis, mas faraónicos estádios de futebol. Esta luta pelo Buçaco torna-se, porventura, mais decisiva do que aquela outra com os franceses. Desta feita, com uma aliança que se deseja totalmente portuguesa. As organizações ecologistas, ambientalistas ou verdistas, que se deixem de merdas e unam-se nesta guerra de resistência ao laxismo, à indiferença, à ganância dos que só sonham com off-shores e que foram os grandes responsáveis pelo estertor do Parque do Buçaco. Claro que é mais cómodo e permite aparecer nos telejornais, entrar em manifestações de rua para inviabilizar a construção de um casino no Parque Mayer, refilar contra as portagens da CREL ou contra toda e qualquer obra pública nos principais centros urbanos do país. Mas isto é diferente, isto é coisa mais séria. Não podemos tolerar que desprezem o nosso ‘chão sagrado’, como dizia o poeta Pedro; e se ‘pode haver quem o defenda’, por que. Não nós? Wellington já têm: Costa Cabral, autarca da Mealhada. Mobilizem-se os soldados.
João Braga, Euronotícias, 10/01/2003