A velha Portaria da Mata, hoje em dia Portas de Coimbra,
começou a ser construída em 1830 pela comunidade
carmelita e era então principal acesso ao eremitério.
Ali residia em permanência o egresso porteiro encarregado
de receber quem chegava, um lugar de relações públicas
destinado a proporcionar o primeiro contacto com os eventuais visitantes.
Era a chamada porta de fora, considerando a outra porta de entrada já no
sítio do Convento como uma porta de dentro.
Para os eremitas regrantes, tinha lógica esta distinção.
Daquele ponto, donde se continua a desfrutar de uma soberba paisagem
sobre a Bairrada, a Gândara, e o mar Atlântico, se alcançava a cidade de
Coimbra por um caminho que logo de inicio era íngreme para quem subia
e que ao contrário, descendo a serra pelo lugar que é hoje
Stª Cristina,se dirigia por Botão e Brasfemes para a cidade
do Mondego.Rio que nos confins da serra lhe faz limite, separando-a,
na célebre Livraria do Mondego, dos últimos contrafortes da Lousã.
Conserva o nome original da cidade que lhe foi berço, mãe e amparo
no estabelecimento do mosteiro.Em 1831 pelos monges e em 1866
pelo poder civil foi objecto de necessárias reparações.
Depois da extinção da Ordem em 1834 foi a pouco e pouco perdendo
a importância como porta principal de entrada na floresta e resta
hoje como miradouro privilegiado, uma varanda aberta um pouco
abaixo da Cruz Alta, sobre o horizonte em redor.
A construção, como toda a obra carmelita é pobre e de traço simples,
decorada com as armas dos monges em pacientes embrechados de
quartzo e de basalto, dando á humildade da arquitectura ,uma beleza singela
e de natural pureza.Trata-se duma construção recortada no muro da Cerca
onde se inserem duas portas de passagem em arco separadas por um corpo
central que contem transcritas a picão, em duas lápides de pedra, duas bulas
pontifícias.A primeira, do lado esquerdo e do ano de 1822, lembra na palavra
de Gregório XV a pena de excomunhão que pende sobre as mulheres
(bendita emancipação)que entrem nos ermitérios carmelitas, a segunda,
á direita é expressamente dirigida ao Convento do Bussaco pela mão não
menos pesada do papa UrbanoVIII que em 1643 estende a mesma pena a
quem,de forma abusiva, cortar árvores ou fizer danos na mata.
Mal comparado,bem se pode dizer que não é do presente o castigo dos
poderes sobre o cidadão, só que então, um imposto que nos dilacerava
a alma chamado excomunhão , uma pena do foro espiritual de peso
variável, conforme a crença do virtual pagante, hoje um imposto que
nos arrasa a vida caindo sobre o corpo com a insolvência do país mas
o mesmo abuso de quem comanda as redeas.
Sobre o comprimento da estrutura que suporta estes elementos corre uma
cimalha de pedra donde se elevam três frontões em semicírculo rematados
por cruzes e separados por quatro colunas de cantaria. Na parte inferior um
comprido banco de pedra serve o descanso de quem espera.
As duas portas em arco encontram-se hoje dotadas de portões de madeira,
mas a da esquerda,considerado o terreiro de fora, era uma porta tapada
a parede de alvenaria, sobre qual parede se abria outra pequena porta em
arco que dava acesso a visitantes. Por ali se entrava, segundo os relatos
existentes, para um pequeno recinto que servia de sala de espera a quem
aguardava autorização. Desta pequena sala se abria então para o lado
de dentro uma outra porta sobre a qual acima de dois ossos postos em cruz
se podia ler a seguinte quadra
.“Ó tu mortal, que me vês,
Reflete bem comoestou;
Eu já fui o que tu és,
E tu serás o que eu sou.”
A esta simples quadra que se destinava a alertar os “incautos” para a
difícil e temerosa tarefa que os aguardava dentro ou fora, juntam alguns
autores,entre eles Forjaz de Sampaio em Memórias do Bussaco,
um outro textode maior arroubo e força que vou deixar aqui
transcrito da obra referenciada:
Em solitária morada,
Onde a humana voz não soa,
Onde o terreno povoa
Matta de escura ramada,
Feia caveira mirrada
O acaso encontrar me fez;
Cresce o susto, a timidez
Quando ella me diz e grita
-Um pouco pára e medita
Ó tu mortal, que me vês!
“Imóvel então ficando,
Sem querer lhe obedeci;
E com violência senti
O coração palpitando;
De todo os olhos fechando
Frio suor me banhou,
Ella de novo clamou
-Não feches teus olhos, não;
Presta-me mais atenção
Reflete bem como estou.
“com secco tronco me abraço,
Mal podendo respirar
Porque sentia apertar
Da garganta o curto espaço.
Não sei que estranho embaraço
Immoveis torna meus pés,
Falla-me terceira vez,
Ó desengano fatal!
-Eu também fui racional;
Eu já fui o que tu és.
“Eu vendo já de tão perto
Ali o retrato meu,
Os olhos levanto ao céo
Bem dizendo este deserto,
Diz-me então:-D’este decreto
O Deus que tudo creou,
Nenhum mortal isemptou,
Nem condição, nem idade;
Ou mais cedo ou mais tarde
Tu será o que eu sou.