ÁLVARO CUNHAL
Peter
LUSO:
HÁ 60 ANOS AQUI FOI PRESO ÁLVARO CUNHAL
Dia 25 de Março faz 60 anos que o já então de facto dirigente máximo do PCP, Álvaro Cunhal, em 1949 com 35 anos, foi preso no Luso, juntamente com outro membro do Comité Central, Militão Ribeiro e, ainda, a sua camarada Sofia Ferreira. Foi “um golpe grande, pesado, para o partido” (nas suas palavras, em Março de 2007), de profundas consequências para o PCP e para a desunida oposição. Foi, por outro lado, uma vitória para a então relativamente recém redominada PIDE e foi fruto do seu aprofundado e laborioso estudo do modus operantis clandestino do PCP e, claro, da pidesca colaboração do aparelho do Estado salazarista.
A CASA DO LUSO
Nos inícios de 1949 a direcção do PCP encontra-se espalhada por casas clandestinas no distrito de Aveiro:
- José Gregório/”Alberto”, em Vale da Mó, perto do Luso;
- Manuel Guedes/”Santos”, na Vacariça, entre o Luso e a Mealhada;
- Militão Ribeiro/”António”, em Macinhata do Vouga, a Sever do Vouga;
- Álvaro Cunhal/“Duarte”, no Luso.
A casa do Luso, ficava num extremo da povoação, no chamado “Luso d’Além”, mais precisamente era o Casal de Santo António, na rua Barbosa Cohen nº 55 e, na altura, era uma casa isolada, confiante com os campos (o que ainda hoje acontece).
A escolha do Luso era natural. Vivia-se uma época áurea das termas e o Luso era muito frequentado por aquistas e outras pessoas que queriam descansar ou conviver – estar in, como hoje se diria. Havia uma larga tradição de receber forasteiros e havia muitas pensões e hotéis e casas familiares para alugar. O Grande Hotel das Termas – muito grande para a época – começou a construir-se, sob a traça de Cassiano Branco, em 1938 e foi inaugurado em Julho de 1940. Algumas pessoas de fora não causariam estranheza numa altura em que, à falta de remédios mais eficazes, era recomendável “mudar de ares”.
A 10 de Fevereiro de 1949 a casa onde vivia Militão Ribeiro com Luísa Rodrigues/”Maria” – a de Macinhata do Vouga – foi assaltada pela GNR, após denúncia, talvez de um vizinho. A GNR – não habituada a estes “serviços” – foi inábil e Militão Ribeiro conseguiu fugir, tendo sido presa Luísa Rodrigues, não sem antes ter queimado os papéis mais confidenciais. Militão Ribeiro refugia-se então na casa do Luso, que passa a ter 3 ocupantes.
Ao alugar a casa, em Novembro de 1948, Álvaro Cunhal apresentou-se como Manuel Soares, estudante, justificando a necessidade de passar uma temporada no Luso porque estava “fraco” e precisava de “bons ares”.
De facto tinha problemas de saúde, agravados pelo trabalho compulsivo, às vezes dia e noites e pelas condições da clandestinidade. Muito magro, bem passaria por tuberculoso, doença grave e vulgar na época (e cujo tratamento se fazia em sanatórios, exactamente com “bons ares”).
Ajustou a casa por 250$00 mensais e aí passou a viver o “casal”. A casa é ampla: de frente tem dois pisos e, aproveitando o desnível, há outro, inferior, para os terrenos atrás.
Nas palavras de Sofia Ferreira (em Março de 2007):
“Na clandestinidade tinha de haver uma vida muito resguardada pelo que não podíamos conviver com as pessoas do Luso e passear”.
Eram só as saídas essenciais. O local Alberto Penetra reconheceu-a, então, na inauguração da lápide que regista a prisão, como a “D. Elvira”, “uma rapariguinha nova” que atendia diariamente na padaria do sogro.
Apesar dos cuidados, a segurança não é absoluta, como se viria a criticar dentro do próprio PCP: pessoas entravam e saíam, faziam-se reuniões fora de horas, numa terra que no Inverno se deitava com as galinhas, luzes acesas num tempo em que a electricidade ainda era quase um luxo, Cunhal a teclar na máquina de escrever até altas horas, com o respectivo matraquear a ser ouvido pela vizinhança.
A DENÚNCIA
Alertado pela circular da PIDE e confiante na reposição dos valores da “ordem” o establishment do regime estava atento.
O Dr. José Feio (Soares de Azevedo, genro do pioneiro de hotelaria e do turismo Alexandre de Almeida) era, desde 1947, Presidente da Câmara Municipal de Águeda (então em Comissão Administrativa) e morava no Luso, bem perto do Casal de Santo António, mais precisamente no que foi o chalet Barbosa Cohen e era então (e ainda é) conhecida pela quinta Mici (do nome da esposa, Maria Cecília).
A 22 de Março informa o seu homólogo da Mealhada Dr. Santos Louzada (que viria a ser Governador Civil de Aveiro) “que no Casal de Santo António vivia um indivíduo desconhecido na companhia de uma mulher e que se fazia passar por estudante que estava a descansar. Vivendo esse indivíduo ali desde Dezembro e sem nunca ser visto por ninguém, somente dele se tinha conhecimento pela companheira, tornou-se suspeito. Fui no referido dia 22 passar no meu carro pelo Casal referido para o localizar convenientemente e logo a seguir fiz uma comunicação telefónica para a P.I.D.E. do Porto, conforme convinha.
No mesmo dia sou procurado às 10 horas da noite por agentes que me encontraram na sede da Junta de Freguesia de Ventosa do Bairro onde estava a trabalhar no recenseamento eleitoral.
Nessa mesma noite fui ao Luso dar indicações solicitadas e por prudência combinou-se ir no dia 23 estudar melhor a topografia do local.
Neste dia, ao meio-dia, encontrava-se concluído o estudo feito pela chefe e um agente idos na minha companhia e no meu carro.
Combinou-se o assalto para a madrugada do dia 24 a que não assisti por motivos de saúde e também por ter que ir nesse dia ao Porto.
No dia 24 às 18 horas encontro no Porto, por acaso o Chefe a quem perguntei pelo resultado e sou informado do adiamento para o dia 25, como na verdade se realizou”.
(Excerto da carta, que, em papel timbrado da Câmara da Mealhada e na qualidade de seu Presidente, dirigiu, “A bem da Nação”, ao “Exmo. Senhor Governador Civil de Aveiro”, datada de 4 de Abril de 1949).
A PRISÃO
Com o ainda recente insucesso, para as autoridades, da fuga de Militão Ribeiro, em Macinhata do Vouga, e cientes de que tinham algo de muito importante em vista, a PIDE preparou-se bem.
A GNR destacou uma força comandada pelo comandante Sena de Azevedo e pelo tenente Mário Lopes Cruz, à qual coube o cerco da casa.
A PIDE destacou pessoal de relevo, chefiado pelo chefe de brigada Jaime Gomes da Silva, com os agentes Sílvio Mortágua, Rego, Guerra e Pais, entre outros. Não esteve presente (por certo com muita pena), o inspector Fernando Gouveia, o “especialista” no PCP.
Conta Sofia Ferreira (em 25 de Março de 2007, na colocação da lápide que desde então marca a efeméride):
“Uma brigada de 6 agentes da PIDE tomou de assalto a casa pelas 05.00, entrando de rompante, acompanhada pela GNR com metralhadoras e não bateram sequer à porta.
Arrombaram-na e subiram logo ao primeiro andar onde estavam os quartos. Estávamos na cama e mal tivemos tempo de nos levantar. O Álvaro Cunhal e o Militão Ribeiro foram algemados logo em pijama e encostaram o Álvaro Cunhal à parede, com uma arma apontada à cabeça, tendo o Jaime Gomes Silva dado ordens para dispararem quando ele mandasse”.
Só depois de revistada a casa os dois homens puderam vestir-se, sendo novamente algemados um ao outro, enquanto ela foi autorizada a vestir-se no quarto de banho, mas sem fechar a porta. Depois foram todos levados numa carrinha para o Porto.
“Eu não fui algemada porque não era preciso”.
“Consta-se que Álvaro Cunhal tentou fugir, o que não é verdade”.
Sofia Ferreira desmentiu que houvesse na casa equipamentos de transmissão:
“O trabalho que fazíamos aqui era político e quem conhece o que era o PCP na clandestinidade sabe que tal não era possível. Até por razões de segurança não interessava ter antenas em casa”.
Como diz José Pacheco Pereira: ”naquela casa do Luso … acabava uma era da história da luta da oposição e do PCP”.
CARLOS FERRAZ