Continuando a saga dos Jogos Florais da
ex Emissora Nacional e relativos ao ano de 1949,
realizados no Buçaco , aqui se transcreve o segundo
prémio em Poesia Lirica:
CANÇÃO DAS TRÊS PRENDAS DE AMOR
Levava uma flor na boca.
Dei-te a flor. E tu me deste
Três lindas prendas em troca.
Uma gravata bordada.
Uma navalha. E uma fina
Pena de ponta doirada.
A gravata para pôr
Ajustadinha ao peitilho
Com meu colete melhor,
O dos ramos de cereja,
De aos domingos ver a Deus
E a ti à porta da igreja.
A navalha (uma navalha
Com o cabo de marfim
E o fio sem uma falha),
Para envasar em nogueira
O bojo dum cavaquinho
E tocar a tarde inteira.
E a pena para mandar-te
Recados,cartas de amor
E versos da minha arte,
Quando,subindo a montanha,
Eu ficasse aos quinze dias
Lá para as raias de Espanha.
Por uma flor que eu te dera
(Qual se ao teu corpo arrancara,
Minha linda primavera!)
Por uma florinha agreste,
Só rica na cor vermelha,
Três ricas prendas me deste.
Prendas que eu não mereci
(Eu, tão matreiro e ladrão)
Mas que por virem de ti
Gostei bem de agradecer,
(Que, em simples amor, o dar
É ainda receber)
Mas a flor cedo murchou.
Veio o vento que a desfez.
E veio o sol que a secou.
Da gravata a cor sumiu-se.
A navalha enferrujou-se.
E a pena de oiro partiu-se.
Nunca mais hei-de passar
À roda do teu pescoço
(Branco de leite e luar!)
Os meus dedos, como laços,
Tendo por nó corredio
A gravata dos meus braços.
Nunca mais beijos ardentes
Hão-de cortar os meus beiços
Com o fio dos meus dentes.
(Já não são coisas que valha
Para sim os cinco estalos
Da folha desta navalha...)
Mas a pena que me deste,
Essa molhei-a no sangue
Deste amor simples e agreste
Que te colheu flor na haste,
Te soube a fartos de mel
Mas de que ao fim te fartaste;
Essa molhei-a no sangue
Do meu peito em carne viva
(Que de mim ai! de quem mangue!)
E,em traço firme e direito,
Deixei escrito o meu nome
Para sempre no teu peito.
Pseudónimo : CIGANO