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23
Fev10

BATALHA BUSSACO-3ªINV-ENCARNADOURO-2


Peter

 

A CAPELA DO ENCARNADOURO OU DAS ALMAS

 

Mandada construir por Luís Rodrigues, natural de Santa Cristina da Serra, freguesia de Espinho, do concelho de Mortágua, assistente no Convento dos Carmelitas do Bussaco, a Capela do Encarnadouro, conhecida igualmente por Capela das Almas, (também aparece como capela do Emcarradouro) entrou na história pátria por ali terem sido tratados inúmeros feridos da batalha com o apoio do exército e a bênção dos frades, sem distinção de cores ou credos, condição que os devotos eremitas impuseram a si e pediram  aos intervenientes nessa jornada trágica da nossa caminhada comum, agora, se optarmos por uma versão ligt do sucedido, diremos da história comum europeia, acontecimentos que vistos á luz actual do continente e do euro podem e devem ser tratados em perspectiva diversa daquela de então.

Era o assistente Luís Rodrigues um fervoroso crente que comungava dos desígnios humildes dos construtores do mosteiro porém, não despojado dos bens terrenos no concreto da existência, ficou-se pela assistência do braço secular e foi nessa condição que fez testamento, escrito por Manuel Lebre Teixeira, da Mealhada, formado em cânones e capitão mor das ordenanças do Couto de Aguim, no próprio Convento de Santa Cruz no dia 3 de Maio de 1783. Declara Luís Rodrigues perante o também presente tabelião Manuel José de Melo, do Couto da Vacariça, que dos dinheiros que lhe devem seus sobrinhos, duzentos e setenta e nove mil reis e uns centavos, sejam deixados á capela do Encarnadouro oitenta mil reis, para que do seu rendimento se tire o juro para aparelhar a estrutura e a colocar em ordem a dizer missa. Se tal não acontecer antes da sua morte, acrescenta o assistente, seja a verba aplicada em missas e legados diversos, que descreve a seguir e atribui aos sobrinhos. Assinam testamentário e testemunhas.

 Esta é uma das versões encontradas sobre a edificação da pequena ermida, a outra, uma variante que difere em pormenores, fica para uma segunda croniqueta sobre o assunto.

Em 1810, na altura das invasões, morto portanto o fundador da altaneira ermida, não passava a capela de algumas estruturas ainda inacabadas mas óptimas para o exército anglo-luso ali estabelecer um hospital de campanha ou hospital de sangue como ficou conhecido, hospital que contou com a ajuda e apoio activo dos frades, sem descriminação dos feridos, fossem dum ou doutro lado da contenda, como se disse. Para além disto, mesas operatórias onde cirurgiões cortavam a serrote e sangue frio membros inutilizados, existiam mais pela serra, uma outra junto á actual porta da Cruz Alta, na altura apenas um largo rasgão no muro, mandado fazer por Wellington nos preparativos para a defesa. Tanto os da serra como o nosso hospital de sangue faziam parte da estrutura da guerra e eram pouco mais que improvisados, mas desempenharam uma função essencial, pese a aparência cruel da medicina militar da época.

Quanto á acção dos monges, no dia 30 de Outubro, por exemplo, foram encontrados na estrada adiante da Moura, por Frei Gerónimo do Sacramento, interno de Santa Cruz, doze franceses em estado miserável de tal sorte que apenas um se podia levantar do chão e pôr de pé. Os outros, com pernas e braços partidos, feridas coaguladas, tiritando de frio e de dores, de sede e de fome, esperavam pela morte ou que algum paisano armado, dos muitos que andavam a monte no crime e na pilhagem, os encontrasse e lhes desse o golpe de misericórdia por conta da vingança.

Perante a universalidade do hábito, imploraram os desgraçados ao frade em gritos desesperados, por água, pão, consolo para as dores e alívio para sofrimentos. E o frade, como vinha fazendo nestes últimos dias de mais trabalho que preces, não se furtou ao auxilio, porém, face á recusa dos populares em prestar assistência a estas almas estrangeiras, predicou o amor ao próximo, apelou á exposta miséria dos infelizes, ao abandono e á morte sem salvação e finalmente ao pecado a recair com dureza nos corações empedernidos deles próprios. E como nada conseguisse da oratória viu-se obrigado a pegar em duas botelhas de água e a ir enche-las num riacho próximo de forma a consolar os miseráveis franceses.

Á custa do exemplo e do peso da consciência, conseguiu por fim que dois deles chegassem com mais umas quantas vasilhas de liquido e uma côdea de boroa com que prestaram os primeiros socorros aos moribundos soldados. Transportaram um deles, ainda que coxo mantinha-se de pé, para a aldeia e instalaram-no na palha duma loja térrea e enquanto tornou ao Convento buscar pão, peixe e vinho, rogou encarecido aos moradores da Moura que transportassem os restantes e os guardassem, o que, temerosos, acabaram por fazer.

Era dali ao Convento pouco menos que uma légua muito inclinada para um e outro lado do monte e quando voltou da parte da tarde com uma bolsa de alimentos, saciou os doentes, lavou algumas feridas, limpou-lhes a alma e instalou-os o melhor que conseguiu na dita loja, aconchegados na improvisada e comum enxerga onde permaneceram durante quatro dias entregues aos aldeões, altura em que os transportaram num carro de bois para o hospital de sangue, na Capela do Encarnadouro. Dois deles sobreviveram.

Quarenta e nove anos depois, ou seja em 1859, foi a capela comprada pela Câmara da Mealhada presidida por Adriano Batista Ferreira com o objectivo de a tirar do abandono a que estava votada e consolidar a romaria que as populações entretanto levavam a efeito relembrando os acontecimentos no domingo 27, quando o dia era o certo com a data, no domingo anterior, nos outros casos. Porém, pouco tempo depois Batista Ferreira deixou a presidência da autarquia sem levar por diante os seus intentos e coube á edilidade seguinte fazer o mesmo, isto é, nada, fenómeno que originou mais degradação e levou mais abandono ao já arruinado esboço de templo.

Foi em 1862 que Costa Cascais, oficial do exército, conseguiu impor ao Visconde de Sá da Bandeira o justo dever de se construir um monumento a perpetuar a memória da guerra peninsular e a partir de então teve inicio o processo da recuperação da velha ruína, só levada a cabo em 1871 quando era ministro da Guerra Fontes Pereira de Melo.  Em paralelo com o projecto do Obelisco, um monólito de seis metros em pedra lioz de Pêro Pinheiro, incumbiu o ministro ao então Tenente-coronel Costa Cascais a tarefa de tomar a ermida por cedência da Câmara, que tomasse posse dela e procedesse á sua reedificação. Quase total diremos, pois pouco mais restava da antiga estrutura que paredes de pé. Além de muitas memórias que não foram, tanto quanto se sabe, nem recolhidas, nem registadas.

 Foram assim recuperadas as paredes, colocada a abóbada, acrescentadas as casas da guarda, da sacristia e do fiel e paramentada com dignidade e dotada, depois da restauração, com o primitivo quadro de S. Miguel e Almas, o qual se achava no Luso á guarda de Vicente Duarte.

Foi benzida e abençoada sob o padroado de Nª Srª da Vitória e Almas no dia 27 de Setembro de 1876, dia da passagem do 66º aniversário da batalha.

Faz hoje parte, em conjunto com o Museu Militar e o Obelisco inaugurado no mesmo ano, do património militar e cívico relativo ás invasões francesas.

Anote-se finalmente que o Museu Militar do Buçaco, uma estrutura posterior, foi inaugurado em 17 de Setembro de 1910 pelo nosso último rei, D. Manuel II, oito dias antes da implantação da República.    FS

Luso, Janeiro 2010 (200 anos da batalha) Buçaco.blogs.sapo.pt

 

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