VIA SACRA DO BUÇACO
Peter
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Batalha do Bussaco
Uma interpretação
“Durante o Inverno suportei noites terríveis na Alemanha e na Polónia, mas esta, em que deixamos a posição do Bussaco é uma das piores épocas da minha vida que mais terrivelmente me afectou.
A retirada lenta e penosa do nosso exército, ocupado a transportar os numerosos feridos em padiolas, oferecia o aspecto tenebroso duma longa fila de carros fúnebres. O silêncio morno da obscuridade era cortada pelo ruído surdo e lúgubre das carroças da artilharia. Os infelizes soldados esforçavam-se em vão para sufocar a expressão dos seus sentimentos; os gritos lancinantes de dor, dificilmente contidos a golpes de coragem, escapavam de quando em quando do fundo das suas entranhas e faziam trespassar de compaixão o coração menos sensível. Os cadáveres dos que, aliviados pela morte terminavam os suplícios no meio desta marcha aflitiva, ficavam na beira do caminho servindo de pista, através da escuridão, aos perseguidores.
Os gritos agudos das aves de rapina que, fugindo dos seus refúgios precediam o avanço acompanhando audaciosamente o exército na cobiça eminente, acrescentavam ainda qualquer coisa de mais sinistro a esta cena”
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Tradução livre do relato escrito pelo oficial francês M. Guingret, comandante de batalhão e testemunha ocular dos factos, pode situar-se na noite de 28 para 29 de Setembro de 1810 e geograficamente no percurso da passagem que Massena acabara por descobrir entre Mortágua e Boialvo, um buraco na cordilheira esquecido pelas forças defensoras e para lá do previsível campo de batalha. Contornando os cumes do Buçaco nessa noite espessa e dramática para moribundos soldados, chegaria com o romper da madrugada á zona de Avelãs e á estrada real entre Coimbra e Porto, que a atravessava.
Massena, o intrépido marechal que o imperador apelidava de filho querido da vitória retirava assim estrategicamente das suas posições atacantes no Buçaco após o malogro de 27 e tentava, torneando a serra pelo norte, apanhar de surpresa em campo aberto e pela retaguarda as forças anglo-lusas, reduzindo a batalha nos seus papeis a pouco mais que escaramuças de reconhecimento.
Havia saído de Viseu, uma cidade abandonada e deserta, a 21 do mesmo mês, dirigindo-se com os três corpos de exército que o acompanhavam pela margem direita do Mondego por Santa Comba Dão e Mortágua, empurrando as forças avançadas anglo lusas num constante movimento de recuo. Na tarde do dia 25 começam a chegar as primeiras colunas aos montes que circundam o Buçaco.
Para quem vem do rio Criz a serra, ao entardecer, apresenta-se de frente e tem o aspecto levemente ondulante dum comprido dorso em declive nos topos sugerindo uma altitude que efectivamente não passa dos
Pelo Buçaco se transitava então entre Coimbra e Viseu por três estradas vindas de Mortágua. A que, por Moura e Sula contornava a cerca conventual dos Carmelitas, descendo depois á Mealhada, a que subindo pelo colo de Santo António do Cântaro demandava a cidade por Botão e por Eiras e uma terceira, em muito mau estado que, obliquando para a esquerda por Carvalho, vencia a serra na Portela de Oliveira e descia pelo Dianteiro para Coimbra.
Nestas cumeadas extremamente propicias a uma atitude defensiva decidiu Wellington fazer frente ao exército francês estendendo os anglo - lusos ao longo do cume da serra, recolhido atrás de fragas e precipícios na expectativa do ataque do inimigo.
Ao seu dispor tinha cerca de 60.000 mil homens, cerca de metade constituído pelo corpo expedicionário inglês nas suas casacas vermelhas, outra metade inexperientes recrutas lusitanos disciplinados pelo braço forte de Beresford que, como o Conde de Lipe em 1762 tentava reorganizar a nossa periclitante força militar habituada a debandar ao som dos primeiros fumos.
Na noite de 26, Massena á frente dos seus soldados, muitos deles veteranos da guerra no seio europeu, farto das péssimas condições das estradas do reino, impaciente por uma breve chegada a Lisboa e pelo fim duma campanha para a qual fora quase empurrado pelo imperador, enervado pelas hesitações e controvérsias dos seus mais credenciados generais cujo entendimento foi sempre difícil na península, longe das planícies onde punha em campo as suas tácticas favoritas, perante um adversário de fracas credenciais entrincheirado no alto da montanha, talvez menosprezando o número, a disciplina e sobretudo as condições vantajosas que o terreno oferecia aos defensores resolve, contra o parecer de alguns dos seus oficiais, lançar o ataque na manhã seguinte, ignorando os conselhos mais prudentes que optavam por um reconhecimento exaustivo e por uma melhor avaliação do terreno e situação
Às seis horas da manhã do dia 27, tentando beneficiar do leve nevoeiro que é comum pelo sopé da montanha nesta época do ano, manda iniciar o assalto.
Do 2º corpo comandando por Reynier a partir do lugar de Santo António do Cântaro, sobem em colunas compactas as divisões de Merle e Heudelet, um pouco distanciadas devidas á desorientação provocada pelo nevoeiro que sobe a par com eles e facilmente atingem o cume. Ofegantes e extenuados, são apanhados de surpresa pela fuzilaria das defesas postadas em linha, que o acidentado do terreno e a dobra abrupta dos cumes não permitia observar. Varridos dura e violentamente, avançam numa segunda linha que é igualmente enfrentada com coragem e determinação. É o 8 de infantaria no seu baptismo de fogo, o regimento 88 do tenente-coronel Wallace, o 45 do tenente-coronel Meed. Os franceses hesitam perante o inesperado choque e imediatamente refeitos voltam á carga mais á direita com a brigada Foy. Opõe-se-lhe a infantaria 9 e 21 do comando do coronel Champalimaud e a divisão inglesa Leith que aguentando o embate com heroísmo lança corajosamente uma carga de baioneta sobre o inimigo, entretanto varrido nos flancos por peças de artilharia.
Desorganizados, os franceses retrocedem serra abaixo entre gritos e impropérios, protegidos pelo resto da divisão Heudelet postada mais á retaguarda.
Não há notícia duma perseguida imediata mas sim do retomar rápido das posições defensivas e o 2º corpo de Reynier, deixando inúmeras baixas no terreno vai reagrupar-se
Aqui aguardará o desenrolar do combate na outra frente, sobre a aldeia de Sula na estrada que, atravessando a portela junto ao famoso Moinho de Sula desce na direcção do Luso e da estrada Lisboa Porto.
Ali, é o 6º corpo de Ney. Os ataques não são simultâneos. Deste lado a acção desenrola-se mais tarde. Marchand, pela estrada real ,vai subindo a coberto de curvas e taludes e a brigada Simon, ambos da célebre divisão Loison, a quem compete o ataque, ocupa Sula e algumas cotas superiores. São recebidos por uma chuva de metralha seguida de cargas á baioneta pela divisão inglesa Crawford, regimentos 43,52,95 e pelas brigadas portuguesas do comando de Pack e Coleman. O general brigadeiro Simon é aprisionado, enquanto os soldados, em grande desorientação batem em retirada e o audacioso marechal Ney “ bravo dos bravos” manda voltar, como Reynier na esquerda, ás posições iniciais.
O 8º corpo do comando de Junot não chega a sair da posição de reserva que ocupa no lugar da Lourinha e a artilharia pouco ou nada pode fazer em terreno tão acidentado.
Inesperadamente, como depois se veio a verificar, tudo terá acabado neste primeiro assalto. Angustiados, os aliados esperam, vindo das vertentes íngremes ,o génio de Massena num assalto que verdadeiramente temem, enquanto o lado francês, apercebendo-se rapidamente das dificuldades da empresa e o fracasso evidente da primeira tentativa, aguarda decisões do seu estado maior.
Dum e doutro lado há um interregno de expectativa, uma trégua espontânea que acaba por explodir em alívio, alegria e ruidosas manifestação de vitória quando os aliados compreendem com o passar das horas que por este dia o resultado está feito a seu favor.
Entre os 65.000 homens que se estimam para o exército francês há cerca de 4.500 mortos. Massena reconhece com prudência 3.000 entre mortos e feridos e calcula ele próprio 4.000 para os aliados. Wellington faz por sua vez uma descrição pormenorizada das suas baixas em combate atribuindo 630 mortos ao corpo expedicionário inglês e 622 aos portugueses, num total de 1.252
Não tem grande relevãncia estes números, auqlauer beligerante exagera as suas forças antes dos combates e erduz ao extremo possivel as perdas depois deles , mas não andaremos longe da verdade estimando 4.500 baixas entre os franceses e metade entre os anglo lusos.
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Batalha-Moinho de Sula e Wellington( azulejos-Palace Hotel do Buçaco )
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Duas a três horas terá demorado o desenrolar da batalha que por volta das onze horas da manhã se resumia a esporádicas trocas de tiros entre brigadas ligeiras nos limites dos contendores.
Durante o resto do dia e o dia 28, Massena, que desconhece a existência das Linhas de Torres, reunindo o seu estado maior opta por reconhecimentos massivos do terreno e encontra finalmente através de várias sortidas do general Moutbrun e do coronel Saint Criox, uma abertura na serra pelo seu flanco direito enquanto Wellington, postado nas alturas da sua barreira defensiva a comemorar o êxito, é ultrapassado pelos acontecimentos, ignorando, por inexplicável falta de informações, que o marechal francês, num movimento brusco e silencioso, manobra táctica a coberto da noite de 28 para 29, se escapa com a retaguarda, o 8º corpo de Junot, pela passagem de Boialvo, ocupando pela manhã do dia seguinte a região de Avelãs e levando a pouca distância os corpos de Ney e Reynier.
Só perto da meia-noite o duque de Wellington se apercebe deste movimento e, entre confuso e receoso dá ordens para uma retirada rápida descendo a serra pelo flanco sul em direcção ao rio Mondego em Coimbra.
Na precipitação ficam armas, munições e diverso material. A 29 de manhã a serra do Buçaco está despovoada e os últimos regimentos anglo lusos descem em direcção a Coimbra. Um batalhão inglês de cavalaria é o que fica em observação e no dia 30 de madrugada vão-se embora as últimas sentinelas inglesas para no dia 1 de Outubro chegar ao convento carmelita um piquete francês. O resto dos invasores espalha-se pela Mealhada, Vacariça, Botão e Eiras, numa acção de rapina concertada.
Estupefacta e horrorizada a população da cidade de Coimbra ainda a apagar as fogueiras com que acabavam de comemorar a vitória, observa a passagem desnorteada dos seus heróis de anteontem, acossados já pela vanguarda francesa, a cavalaria de Montbrun que vai matando á cutilada alguns mais atrasados. A cidade passa bruscamente da euforia de vencedores para o temor dos vencidos, sobretudo quando chegam as primeiras notícias das atrocidades cometidas pela soldadesca na vizinha freguesia de Eiras já ás portas da urbe. De facto, a 1 de Outubro os invasores penetram na cidade enquanto metade dos habitantes a abandonam. Apesar de todas as tentativas de Massena para pôr ordem nas suas fileiras, a pilhagem é generalizada.
Por outro lado Wellington, pressionado constantemente, acelera numa corrida louca e desordenada em direcção ás Linhas de Torres, conjunto de fortificações que havia mandado construir para defender Lisboa, segundo uns, para assegurar uma retirada marítima eficaz e segura ás suas tropas caso as coisas corressem mal, segundo outros.
Travam-se escaramuças em Condeixa, na Redinha, em Alenquer, cada vez que a frente francesa apanha a retaguarda aliada, entretanto acompanhada e empurrada por uma multidão de povo em mísero estado que, abandonando as suas casas, gados e haveres, foge e coabita entre uns e outros atolados nas lamas dos caminhos, pois entretanto começara a chover copiosamente
Batalha do Buçaco-Azulejo de Jorge Colaço-Palace Hotel
Esta marcha acelerada terminaria finalmente nas fortificações. O duque reúne todas as forças disponíveis e vai entrincheirar-se nas famosas Linhas, barreira que se mostrará inexpugnável para um exército francês cansado e desmoralizado. Massena não consegue reforços de Napoleão e com os 60.000 homens que lhe restam reconhece não ser possível transpor a barreira aliada onde se juntam entre portugueses, ingleses e espanhóis, para cima de cem mil homens. Costuma dar-se relevo á participação do povo nas revoluções nativas. Temos presente a crise de 1383/85, a restauração em 1640, recentemente o 25 de Abril, movimentos ligados a convulsões a partir do tecido urbano em que as populações aderem como força de massas atrás de factos, como meios de pressão ou viveiros das mais variadas intenções aproveitadas ou não, atribuindo-se-lhes depois virtudes e características consoante as perspectivas face aos resultados alcançados. Porém, este povo, quer urbano quer rural que viveu a época das invasões francesas foi elemento activo, participante valoroso, a quem se pediu tudo e nada se deu senão a fome, a miséria, o sofrimento, a morte.
Quando o príncipe regente, futuro D. João VI deixa o reino em 1807, levando na bagagem o sonho da paz no Brasil, transportando medo e jóias o ouro e a loucura duma rainha mãe, é ao povo de Lisboa patético e órfão, que deixa a incumbência de receber Junot. Este, á frente dum exército extenuado vencido pelos caminhos do vale do Tejo, corre apressado ao cais na ilusória esperança de aprisionar o rei. Não chega a tempo. A história justifica os monarcas, a politica justifica as atitudes, o povo miserável, sofredor, vassalo obediente e cego irá suportar o jugo do invasor e, paradoxo, correr com ele quando for oportuno para entregar ao rei de novo, a o ceptro e a coroa. É o mesmo que se precipita do Douro á frente do exército de Soult e perece na ponte das barcas perante o espanto e ajuda dos próprios inimigos, o mesmo que é obrigado a abandonar casa e haveres, aldeias e cidades quando um inglês, Arthur Wellesley o ordena perante um reino sem rei nem roque, sem exército, sem chefes, sem dinheiro, sem motivações sem vontade e sem destino.
Espalha-se nos montes, segue como maltrapilho as colunas militares, esconde-se nos desfiladeiros, é roubado, espoliado, violado. Por ingleses, por franceses, pelos próprios compatriotas em gritos de sobrevivência. Saqueiam-lhe as igrejas, os castelos, os palácios, os miseráveis tugúrios. Os testemunhos das atrocidades atribuem-nos indistintamente a uns e a outros, mas graças a este povo sem rei, que assume manifesta vontade de sacudir o domínio alheio é que se deve em parte o sucesso inglês. Acolhe e ajuda um Beresford que mais tarde será o alvo do seu desprezo e ódio e chama o rei comodamente instalado no Rio de Janeiro para voltar á coroa.Ferraz da Silva
Bibliografia:Boletim da 2ª Classe-Academia de Ciências de Lisboa,1910
A Batalha do Buçaco-Augusto Simões de castro,Coimbra Imp.Universidade,1953
A Guerra Peninsular- Pinheiro Chagas, Lucas e Filhos, Lisboa,1972
Considerações Estratégicas e Táticas Bat. Bussao Brito Limpo, Imp. Nacional, Lisboa, 1887
História de Portugal-Oliveira marques-Ed.Agora, 1972
História de Portugal-Oliveira Martins-Guimarães, Lisboa, 1972
A batalha do Buçaco-Região Militar Centro-Coimbra, 1953
Dicionário história Portugal-Joel Serrão,Iniciativas Editorias, Lisboa,1971
A Batalha do Buçaco-Alberto Araújo e Silva-Coimbra, 1953
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