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______BUÇACO______

TEXTOS ,SUBSÍDIOS, APOIO

______BUÇACO______

TEXTOS ,SUBSÍDIOS, APOIO

14
Jul07

JOÃO DE MELO,BISPO


Peter

                                            

 

             

 

 

 

           JOÂO DE MELO, BISPO

 

 

    Évora é uma cidade que nos deixa o desejo dum regresso permanente. A cidade enlaça-nos numa atracção misto de arquitectura, cor, história, lenda e convida-nos a voltar aos seus encantos usando um isco ou um ardil de misteriosos contornos. Há um espírito de peregrinação que fora das muralhas nos atrai, um chamamento a um imaginário colectivo subjacente ou ao mistério até, que lhe deixou o Islão.

  Depois há um encontro com o tempo e com a história em cada pedra de calçada, em cada esquina de velhos monumentos, no casario, nas igrejas, nos palácios. Digo sempre que se pode amar com paixão uma mulher, uma ideia, uma cidade. Évora, como moira encantada, pode bem ser uma dessas urbes escolhidas.

  Património da humanidade, terra de gente ilustre de quem nos reza a história, nela viveram Gil Vicente, Garcia de Resende, Vasco da Gama, entre outros e ali nasceu também um esquecido bispo que está sepultado no coro da igreja do Bussaco , de seu nome João de Melo .

  Filho de Jorge de Melo, nasceu em Évora no ano de 1624, foi inquisidor, prior na igreja de S. Tiago de Évora e penitente na Serra da Arrábida onde o encontrou o rei D. Pedro II durante uma caçada, por volta de 1670. Caindo nas boas graças do monarca foi por ele nomeado Bispo de Elvas, transferido para Viseu em 1673 e em Julho de 1684 toma posse do bispado de Coimbra.

  Apaixonado pelo Bussaco, mandou edificar o Bispo Conde dez capelas dos passos entre os anos de 1694 e 1695. Faleceu a 28 de Junho de 1704 na sua quinta de S. Martinho do Bispo e foi sepultado na igreja do Convento de Santa Cruz do Bussaco. Sobre a lápide do comprido epitáfio no coro da igreja do convento, podemos retirar estas curiosas linhas:

                                       Vivo, não morto

                                       Aqui está, não jaz

                                       D.João de Melo

                                       Bispo de Coimbra

   Ter-se-ia esquecido este frade da sua cidade natal? Teria a humildade do Convento do Bussaco apagado o romano gótico da catedral eborense edificada sobre a primitiva mesquita árabe? Ou as ogivas majestosas do templo manuelino de S. Francisco e a sua tenebrosa capela dos ossos? Ou o maravilhoso Largo das Portas de Moura e a sua fonte renascentista?

   Decerto não se teria apagado da memória do bispo a monumentalidade do seu berço mas prevaleceu na hora de se desprender da terra e se juntar ao eterno, a pobreza extrema que regrava os carmelitas e a laje da sua modesta casa no ermitério bussaquino é disso o verdadeiro testemunho.

   Évora, a antiga Liberalitas Júlia romana, era uma cidade opulenta e culta. Moradia de reis, a sua universidade atingia então notoriedade e muitas obras dos seus mestres corriam mundo. Fundada em 1559 pelo cardeal rei D. Henrique e pela Companhia de Jesus, gozava então de estatuto igual ao de Coimbra e assim funcionou até 1759, extinta com a expulsão dos fundadores. Durou duzentos anos.

  Évora é hoje um repositório valioso dessa existência secular, um autêntico museu envolvido em mistério, misticismo e intimidades, numa ligação umbilical ao templo da Diana e a esse mercenário dos primórdios chamado Giraldo Sem Pavor, conquistador da urbe. A sua vida consome-se entre salteador e cavaleiro, famoso pela sua extrema crueldade que aterrorizava mouros e cristãos. Para agradar a Afonso Henriques conquistou a cidade. Numa noite de chuva, talvez de chuva e vento, avança silenciosamente com a sua horda de mercenários sem pátria, aproveita a borrasca para encostar sem ruído as escadas ás muralhas e é o primeiro a saltar e a chegar á torre de vigia onde um sarraceno dormita com a filha, uma criança, sentada no seu colo. A ambos corta a cabeça e grita, como é costume entre sentinelas de serviço, a senha do sossego, enquanto os seus homens vão ocupando os muros, penetram dentro do burgo e iniciam a rapina ante a surpresa dos de dentro. Dá-a de presente ao galego Afonso Henriques, como é conhecido entre mouros o nosso primeiro rei.

  Bem ao contrário deste “fundador”da Évora cristã, D. João de Melo, como lhe competia pela sua qualidade de frade e bispo, foi homem de paz, homem de Deus, de oração, de caridade e de penitenciação. Parece que soube conjugar perfeitamente a grandeza da sua terra natal com os desígnios da sua vocação religiosa em paixões diferentes, uma pela sua terra de berço, como não podia deixar de ter, outra pela paixão das ideias remetido ao silêncio e á pobreza da sua condição última de carmelita eterno residente no Convento de Santa Cruz do Bussaco.

  Foi o lugar desta segunda existência que escolheu para seu último e definitivo repouso. FS

 

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02
Jul07

TOCA DO BOÇAL


Peter

       Toca do Boçal

.

.

         Conta a lenda , da própria lenda  com barbas até aos pés,  que  um negro ou um escravo fugido das galés se refugiou nas encostas do Buçaco,  ali por uns  penhascos íngremes onde ora  estão instaladas as ermidas do Sepulcro . Por ali terá carpido as  suas mágoas no arvoredo gentílico das serras abandonadas e quando , de vez em quando, por necessidades  primárias descia  aos tugúrios pobres dos gentílicos  pastores  roubando-lhes  rudemente algum pão para a própria boca, espalhou o medo , criou o mito e  deixou a lenda , apenas lenda, para a posteridade.

            Desta toca ou cova que ainda existe, adveio o nome de boçal, da rudeza e boçalidade do onírico habitante e desta lenda que persiste na pouca literatura sobre o assunto , teria surgido o nome de Buçaco , um acesso ingénuo e inócuo á etimologia do lugar. Seja.

          Presume-se que o Buçaco pré florestação fradesca ,  fosse uma mata original de carvalhos e castanheiros e onde o pilriteiro , ainda hoje abundante, tivesse um lugar destacado.  Presumo ainda,   na minha prosa livre de ignorância botânica, que    fosse igualmente lugar de abandono a devesa esquecida de D. João de Melo , e assim se compreende que a igreja, tão sedenta de bens celestes como terrenos, cedesse tão facilmente á ordem de santo Elias umas serras no lugar do Luso , também ditas de Carvalho e algumas vezes por insuficiência geográfica , de Alcoba , este último baptismo por ignorância suprema dos meios de comunicação  do tempo. O que não justifica de modo nenhum o abandono a que chegou a Mata, que , com a saída dos monges , esteve para ser vendida em hasta pública. Valeu-lhe o amor e o  espirito cientifico de  Morais Soares  que a recuperou a valorizou substancialmente, até chegar ao pasto comum  do interesse  turístico e histórico ,  dos nossos dias.

     De administração em administração, no tempo em que aos administradores estava reservado o papel de guardiões  da coisa pública , passou para o tempo de não ter administração nenhuma, apenas um horário de trabalho para os guardas florestais que  no último verão , em noites de fogos intensos , largavam regra geral o serviço á hora regimental  e a Mata Nacional ficava á mercê de meia dúzia  de observadores voluntários e mais alguns mantidos por autarquias  com os meios rudimentares ao seu alcance.

  Foi assim que a entidade a que chamamos Estado  geriu o património do Buçaco , um dos mais variados parques dendrológicos, nome  esquisito, dos parques da Europa.  Porém o Estado, por ser Estado, não tem culpa nenhuma , fossem os homens que gerem o estado, doutro estado, e o Estado poderia comportar-se , como devia ser, como Estado.

    De tal sorte, que uns amigos castelhanos da região de Cervantes que assistiam acidentalmente ao desenrolar dos incêndios, enquanto ao longe as chamas quase devoravam a cidade de Coimbra,  deitavam as mãos á cabeça sem compreender  onde   tem os portugueses a sua  massa cinzenta , nem que fossem cinzas comuns já consumidas no velho fogo peninsular , diziam, para , no mínimo, salvaguardar um bem que, afirmavam, lhes pertence igualmente por parte da Ibéria e mais isto e mais aquilo, foram a resmungar para Palanquita del   Duero nos arredores de Valladolid , onde vivem numa pequena quinta de agricultura biológica e fazem vinho da ribeira do Douro de se lhe tirar o chapéu. Também biológico. E pensam que o Buçaco é um bem demasiado precioso para ser devorado em qualquer noite de qualquer  verão pelo apetite tresloucado dum maníaco qualquer a tocar citara ou pelo menor descuido duma simples falta de vigilância num lugar de tal jaez.

 Factos são factos , soletrei  com voz ténue   após a sua partida e, agarrando no meu próprio  toyota de dois lugares , virei á Cruz Alta algumas noites, sentei-me nos degraus  do pétreo palanque virado á negrura do  horizonte marítimo e convenci-me que estava de vigilância aos fogos ,como qualquer bombeiro, procurando, por descargo de consciência , uma justificação para aquilo que a não tem. E  por lá encontrei outra gente do mesmo trato a contornar a noite   olhando os cantos da serra na busca de alguma chama perdida que um dia há-de chegar  e consumir a mata, se a inconsciência dos homens persistir  na cegueira surda e absurda de não tratar correctamente aquilo que receberam de herança, de cultura e de valor.

   Recentemente, o Buçaco recebeu mais um contributo para o seu entendimento  e compreensão , a edição do livro de Paulo Varela Gomes ,” Buçaco, O Deserto dos Carmelitas Descalços.” É um livro que vale a pena ler . Para entender e meditar.

Para perceber a responsabilidade que pesa sobre cada um de nós e sobre quem tem poder sobre o património botânico, arquitectónico e paisagístico que ali está , para que não se deixe perder pela constante incúria o conjunto monumental que ainda resiste. Por milagre ? Sabe-se lá !

   Gostaria de transcrever, com a devida vénia , a própria definição que o autor encontrou , para apresentar a sua obra. Diz ;”...De facto , o leitor não tem entre mãos mais um ‘guia’ do Buçaco mas um trabalho de história da arte e da arquitectura que se ocupa do significado artístico e religioso dos extraordinários edifícios e da mata criados pelos Carmelitas no Buçaco. Este significado ultrapassa em muito as fronteiras tanto da arquitectura como da cultura portuguesas , interessando a história e a cultura ocidentais como um todo. O Buçaco é património mundial –que não precisa desta designação ou da chancela da UNESCO para ser uma obra absolutamente extraordinária que pode e deve atrair visitantes cultos de todo o mundo.”

    Buçaco , Fevereiro,2006  ( ferraz da silva,in jornal damealhada)

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